Laranjais

Laranjais – 2º distrito de Itaocara

O distrito de Laranjais

O território do atual distrito de Laranjais pertenceu ao município de Cantagalo, quando era atrelado ao distrito de Santa Rita do Rio Negro, e neste se localizava a Fazenda de Laranjeiras, vendida pelo Barão de São Clemente a Álvaro Ferreira de Morais e que foi, sem dúvida, o verdadeiro embrião do hoje 2° Distrito de Itaocara, Laranjais. “Seu Ferreira, como era conhecido o fazendeiro, metodista praticante, doou uma área grande da sede da fazenda à Igreja Metodista que a loteou, reservando para si o domínio direto, cujo foro ajudou a sua mantença. Assim foi povoado aquele território banhado pelo ribeirão das Areias, cujas inundações periódicas tornaram fertilíssimas suas terras marginais.” (Alaôr Eduardo Scisínio, Itaocara – Uma democracia Rural).

Vale ressaltar que Laranjais foi o berço do luteranismo em Itaocara, com sua Igreja Metodista que, por longas datas, foi mui bem dirigida pelo pastor José Henrique da Matta, pai de D. Geny e sogro do Dr. Gamaliel Borges Pinheiro, autor de Moleque Amara, livro que conta a saga do grupo de extermínio que atuou em Itaocara por longos anos e que, inclusive, fez incursões por Laranjais.

Em 10 de setembro de 1890 foi criado o Distrito de Conceição de Estrada Nova, no município de Cantagalo, abrangendo o atual distrito de Estrada Nova e Laranjeiras, hoje Laranjais, desmembrados do distrito de Santa Rita do Rio Negro, sendo Estrada Nova a sede do Distrito. Em 13 de abri I de 1 891, por força do Decreto n° Praça Rosalvo Pereira Alves 191, o distrito citado passou a integrar o município de Itaocara, este criado em 28 de outubro de 1890. Em 3 de outubro de 1903, a Câmara de Itaocara apresentou indicação à Assembléia Legislativa no sentido de transferir a sede do Distrito de Estrada Nova para Laranjeiras, fato este que se consumou em 29 de outubro de 1906 através da Lei Estadual n° 763, da Assembléia Legislativa, que foi sancionada pelo presidente Alfredo Backer.

Em 22 de novembro de 1924 criou-se o Distrito de Estrada Nova desmembrando-o do distrito de Laranjeiras que, pelo Decreto Estadual n° 1.056, de 31 de dezembro de 1943, teve o seu nome modificado para Laranjais, ordenado como 2° distrito de Itaocara.

O progresso de Laranjeiras (posteriomente Laranjais) foi vertiginoso, principalmente em função do desenvolvimento do Engenho Central, localidade que dista, apenas um quilômetro da sede do distrito e que fora comprada por Luiz Corrêa da Rocha. Para se ter uma pálida idéia da importância do Engenho Central, uma verdadeira cidade particular, é de se dizer que além da fabricação de açúcar, álcool, tecidos e balas (busi), que empregava grande número de mão-de-obra, ainda possuía linha férrea particular, serviço de abastecimento de água e energia elétrica própria, hospital, farmácia, cinema, hotel, armazém, clube social (0 dos brancos na rua do Cinema e o dos “moreninhos” no bairro Olaria, e até dinheiro próprio, aceito, por sua credibilidade, mesmo fora do Engenho Central. Além disso, outro importante acontecimento teve grande participação no crescimento, inclusive comercial, de Laranjais: a autorização dada em 18 de junho de 1879 para prolongar a estrada de ferro de Cantagalo até Laranjais, cujo tráfego foi aberto em 1884, prolongando o seu ramal até Cel. Teixeira (hoje Batatal), por influência do Cel. Teixeira, de quem o Barão de Nova Friburgo, dono da ferrovia, era muito amigo.

A Estação Ferroviária ficava no local onde hoje está situada a Praça Prof. Rosalvo Pereira AIves. Na época de sua elevação àcondição de distrito, Laranjeiras já possuía até agência do Correio, que fora criada em 4 de março de 1883 e cuja instalação aconteceu em 16 de maio de 1890, com o Sr. Virgílio de Almeida Lopes sendo o seu primeiro agente.

O ensino público sempre foi de excelente qualidade em Laranjais, com mestras como, exemplificando, O. Zelina Rios Costas e O. Lourdes Leite. Nos dias atuais destacam-se os Colégios Estaduais Johenir Henriques Viégas, na sede, e o Or. Péricles Corrêa da Rocha, no Engenho Central. O particular da mesma forma, como o ministrado no Colégio N.S. das Oores, instalado em 1926 e que era dirigido pela Professora Joaquina Macuco Oavid (O. Loloy), sendo esta auxiliada pela Professora Ester Pinheiro, que mais tarde passou a assinar Ester Pinheiro Fonseca. 00 idealismo de um poderoso grupo, do qual participavam Nicola Nicolau e o Prof. Rosalvo Pereira Alves, ambos já falecidos, nasceu o Ginásio Laranjais, localizado em prédio de propriedade da família Sarruf (Wilson, Zinéia, Aziz), que foi inicialmente dirigido pelo Prof. Messias Moraes Teixeira. Posteriormente, os irmãos Terson e Getter Lannes assumiram com muito êxito a direção daquele estabelecimento de ensino.

Honrando a tradição, hoje o ensino laranjaense tem grandes mestres, dentre eles Regina Celi Gomes, Lei Ia Fragra Metri, Ziléia Sarruf, Norma Toledo Rodrigues, Vanda Leite Coelho, Nilcéia Torres, Jelbes Faria, Anna Maria Gualberto Bittencourt, Ana Nicolau Câmara, Francisco Louvise.

Laranjais têm o clube esportivo mais antigo do município de Itaocara, o Brasil Esporte Clube, que tem estádio próprio e cujo nome homenageia o seu antigo goleiro Adherbal Lopes Bittencourt. Oesse time saíram grandes jogadores, tais como Paulo Borges (que jogou no Bangu, Corinthians e chegou até à seleção brasileira), José Português, Paulinho Miguel, Muqueca, Carlinhos Rodrigues, Mendonça, Pedro Candinho, Jelbes Victorino de Faria, Zizico. Hoje existe um excelente clube social em Laranjais, que é independente do Brasil Esporte Clube e uma quadra polivalente de esportes.

O Engenho Central tinha um excelente estádio, com arquibancadas cobertas. Seu time sempre foi um vencedor e grandes jogadores ali despontaram: Porquita, Olivier, Jair Campany, Batista Oliveira, Paulinho “Boleba”, Oarci Ferraz, Tião Sobrado, Flávio Campany, Adhemar Gomes, Onivar, Waldemar Torres, João do Enéias, Oonaldo Navega, Antônio Geraldo e um árbitro famoso, Chico “Boi”.

Em época imprecisa, existiu em Laranjais uma excelente banda de música. Ela era dirigida pelo famoso maestro Crispim e integrada pelos músicos Fioravante, Carlos Cardoso da Silva, Cid Pinto Leite (pai do escritor, poeta, jornalista e advogado Or. Kleber Leite), Lilico, Oemerval Bittencourt, Nicola Nicolau, Ten. José Salim e Manoel Banca. Ourante longos anos O. Loloy Macuco Oavid deu aulas de piano em Laranjais. Outro músico que encantava com a melodia de seu violino era Juca Barros, sogro do antigo vereador Heraclides Hoslle Rodrigues.

A imprensa esteve presente em Laranjais, com os jornais ali sediados: A Sentinela, em 1926; O Trabalhador, em 1928 e o 2° Distrito, todos dirigidos pelo jornalista Cid Pinto Leite. Além desses, Cid Leite ainda editou o jornal A Mocidade, que fora dirigido também pelo itaocarense Walter Castro, jornalista e líder político de expressão no município e que chefiou em Laranjais a antiga Ação Integralista Brasileira.

A principal atividade agrícola de Laranjais, em função do Engenho Central, sempre foi a cana-de-açúcar. Mas os verdes canaviais – um verdadeiro império verde – foram desaparecendo com o fechamento da Usina, fato ocorrido no início da década de 70, e hoje quase já não se vê pendões e nem o inconfundível cheiro da cana.

Além de significar o fim do ciclo da cana-de-açúcar no distrito, tal fato causou grande êxodo populacional, além de reduzir em muito a receita financeira que entrava nos cofres da municipalidade. Uma das causas do fechamento da usina, já na administração do Dr. Álvaro Luiz Graça, foi sem dúvida a conhecida “questão trabalhista” movida pelo Dr. Denanci, um advogado fidelense. Sem falar na concorrência dos engenhos paulistas. Esse impacto na economia de Laranjais (e do próprio município) ainda não foi absorvido plenamente. Recentemente, em 1999, reacendeu-se a chama do saudosismo e realizou-se ali o movimento cultural “Pintando o Engenho”, com muito sucesso.

A participação política de Laranjais no contexto geral do município tem sido muito importante, eis que ele sempre teve um elevado contingente eleitoral. O 2° Distrito deu ao município alguns políticos de destaque: Df. Péricles Corrêa da Rocha (udenista de prestígio a nível estadual e que chegou até a ser cogitado para candidatar-se ao cargo de governador), prefeito; Ataliba Marinho, vereador e prefeito; Dr. Álvaro Luiz Graça, suplente de deputado estadual; Pedro Nassif, vereador e vice-prefeito; Nico Alves, Nicola Francisco Nicolau, vice-prefeito; Washington Marinho, vice-prefeito; Dr. Carlos Rodrigues (Carlinho do Kid), vice-prefeito; Romeu Alves, Sebastião de Freitas, Deni Sydio, Lauro Pereira Alves, Genelson Alves, Tote Paiva (candidato a vice-prefeito); Milton Miguel (empresário na área do transporte coletivo), Df. Paulo Roberto Rodrigues, ex-candidato a prefeito; Kalil Metri, Milton Boechat, Waldemar Barcel\os Torres, Racib Ibraim Sarruf, Dr.Wilson Sarruf, Amilcar Bittencourt, Hernani Campany, Carlos Siqueira (Siqueirinha); Zezinho Félix, todos vereadores, exemplificando.

Muitos laranjaenses conseguiram projeção no cenário fluminense e até nacional. Dentre eles, o médico brigadeiro Walter Curty; os médicos Adhemar Reis Júnior e Ciro Herdy, ambos professores da UFF e ex-diretores do Hospital Universitário Antônio Pedro, em Niterói; Cte. Odeto Barbosa David (neto de D. Loloy Macuco) Capitão de Mar-e-Guerra, Diretor do Centro de Análise de Sistemas Navais do Ministério da Marinha; escritor Silvio Castro, professor de lingüística nas Universidades de Pádua e Veneza, na Itália; Nilton Righi Vieira, Capitão-do-Mar e Guerra da Armada Brasileira; Dr. Humberto Dantas, diretor do Hospital do Câncer em Niterói e professor da UFF; Dr. Décio Sarruf, cirurgião plástico; professor Malk R. Vieira, dermatologista, com vários livros publicados; Wilson Salim Sarruf, brilhante advogado criminalista celebrizado por suas fantásticas defesas em prosa e versos, com repercussão nacional; o arquiteto Jorge Figueiredo, autor de arrojados projetos arquitetônicos; Carlos Alberto Navega Miguel (0-8) excelente locutor da Rádio Embalo e empresário musical; engenheiro Paulo Roberto Rodrigues, diretor da CEDAE regional; Fernando Laranja Oliveira, médico; José e Ulisses Figueiredo, defensores públicos; Carlos Cardoso da Silva, maçom g. 33; Cid Leite, jornalista (laranjaense por adoção); Dr. Kleber Leite, poeta, jornalista, escritor, advogado, de renome internacional; Luiz Corrêa da Rocha, o “Capitão da IndÚstria” criador do Engenho Central, e seu filho Dr. Péricles Corrêa da Rocha; o poeta André Luiz Rodrigues, autor de Poeira de Minh ‘Alma, e muitos outros.

O padroeiro de Laranjais é São João Batista, a quem é dedicada a igreja católica local, paróquia criada em 7 de outubro de 1975 por Dom Clemente José Isnard, da Diocese de Nova Friburgo. As principais festas que acontecem na sede do distrito são as de São João e São Cristóvão, além de festas pagãs, como o carnaval. Diversos templos evangélicos existem como, por exemplo, o Batista e o da Assembléia de Deus. A Loja Maçônica “União Pátria e Caridade”, que foi fundada por Carlos Cardoso da Silva, seu primeiro venerável, com apoio de Ypres Faria e Abílio Morgado, da Loja de Cantagalo, que deram todo suporte necessário inicialmente. A Loja de Laranjais é registrada no Grande Oriente do Brasil sob o n° 1.258. .

Mas nem tudo é só saudade, o progresso tem passado por Laranjais. Lento, mas tem passado: As ruas estão todas pavimentadas, a iluminação pública é excelente, o antigo e Único telefone existente, o PS-1, que por décadas foi administrado por Dejanir Salim, cedeu espaço para uma ampla e moderna rede telefônica que cobre quase todas as residências da sede distrital e do Engenho Central, além dos orelhões espalhados nas ruas. As antenas parabólicas cobrem os telhados e até um canal noticioso de televisão, local, vai ao ar diariamente. O progresso urbano de Laranjais, através de loteamentos, deve-se muito a Benedito Patrinieri (o Toti Paiva). A antiga estrada de barro, esburacada, poeirenta e/ou lamacenta que dava acesso à cidade de Itaocara, por onde passavam os ônibus (apelidados de cata-jeca), foi substituída por uma rodovia moderna, asfaltada.

Moderno sistema de abastecimento de água serve à população. Laranjais chegou ao ano 2000 com grandes perspectivas de um futuro brilhante, tanto pela capacidade e força de trabalho dos seus atuais habitantes quanto pelas suas riquezas naturais. Uma gigantesca reserva de calcário, que atinge também os distritos de Estrada Nova e Batatal, parte dele de baixo teor de magnésio – matéria prima para o fabrico de cimento – abre a perspectiva de construção de um pólo cimenteiro o que, aliás, já se propaga.

Ainda existem reservas de calcita, fósforo branco e feldspato e, segundo o pesquisador José Francisco de Moraes, uma gama enorme de outros minerais. Aos poucos o fim do ciclo da cana-de-açúcar vai sendo esquecido e já se ensaia o cultivo dos hortifrutigranjeiros, além, evidentemente, do predomínio atual da atividade pecuária. Hoje, no ano 2000, o distrito de Laranjais é representado na Câmara Municipal de Itaocara pelos vereadores Marcelo Graça, um dos donos do Engenho Central, e Francisco Fontes, que reside na rua Álvaro de Moraes. Ao iniciar-se o ano 2000, alguns grandes sonhos do povo laranjaense ainda estão por conquistar: a industrialização, a geração de mais empregos, um Posto de Saúde 24 horas, o asfaltamento das estradas que ligam a sede distrital a Euclidelândia e Valão do Barro, passando por Estrada Nova.

Engenho Central

O Engenho Central foi construído no final do século passado com o nome de Engenho Central do Rio Negro. Só mais tarde, em 1906, quando foi comprado pelo Cel. Luiz Correa, passou a chamar-se Engenho Central Laranjeiras. Mas, certamente, anterior a tudo isso, sua imagem devia estar delineada no espírito de um idealista ou do empreendedor que o concebeu, como costuma acontecer com todas as grandes realizações do homem.

É justo supor que no íntimo dessa pessoa já estava formada a visão da usina muito antes de o pedreiro colocar o primeiro tijolo e, até mesmo, de o engenheiro traçar a primeira linha ou fazer o primeiro cálculo. Naturalmente, deve ter sido antevisto, como num sonho, o cenário que envolveria a usina: extensas plantações de cana cobrindo os morros ou descendo pelas fraldas da serra azul; o rio serpenteando em curvas ou correndo reto, a formar o caminho certo que atendesse às necessidades da produção; estradas de ferro para transporte da cana e do próprio açúcar; alguns prédios para os serviços de apoio; centenas de casas brancas, de janelas e portas verdes, para abrigo das famílias; e, ao redor, a natureza – generosa, verdejante, acolhedora.

Podemos, até, imaginar o momento em que esse sonho se tornou realidade: a alegria, o entusiasmo, a esperança dos que testemunharam o movimento inicial daquelas engrenagens, daquele complexo maquinário, que viria resultar na cristalização dos primeiros grãos de açúcar. Aquele gesto de alguém, dando partida a tudo, estava destinado a repercutir intensamente na vida de muitos, pois significava uma nova frente de trabalho estável e promissor para um punhado de pessoas e para as gerações que se sucederiam, resultando no sustento de centenas de famílias por mais de meio século. Ali começava uma grande história, pelo menos para nós, que tivemos o privilégio de nascer e viver no maravilhoso ambiente que o tempo e as pessoas se encarregaram de consolidar e que teve seus eflúvios varando as décadas, chegando à nossa época de criança e indo além, mercê do descortino de uma notável figura de líder, a par de grande usineiro, que foi o Dr. Péricles Correa da Rocha, e do seu sucessor, Dr. Álvaro Luís.

As casas brancas tornaram-se lares onde nasceram filhos, netos, bisnetos, e onde se cultivava a essência da vida em família, aquilo que deve haver de mais valioso em qualquer sociedade que se preze, como o amor, o respeito e a união familiar, fazendo florescer uma comunidade fraterna e, diríamos, feliz, cujo espírito perdurou através dos tempos e marcou para sempre a vida dos que lá viveram. Torna-se difícil identificar e medir todos os fatores positivos que contribuíram para a formação do caráter dos que foram crianças, jovens e adultos no Engenho Central, em especial nos anos dourados de sua história, porém acreditamos que uma síntese de todos os benefícios pode ser encontrada nos padrões de valor e de comportamento passados para cada indivíduo por meio das coisas mais simples que compunham o dia-a-dia da comunidade. Esses padrões, não tenho dúvidas, serviram e continuam a servir como referência para que cada um conduza a sua vida na direção que considere a melhor para o seu crescimento como pessoa humana.

Em certa quadra da vida, viver o Engenho não significava desejar permanecer para sempre no usufruto daquela atmosfera encantada, pois é próprio do espírito humano não se limitar às circunstâncias do presente, por melhores que sejam, mas alçar vôo, ainda que em sonho, a paragens mais elevadas, em especial as do conhecimento. O primeiro salto nesse sentido, para os jovens do Engenho, era buscar o caminho de Itaocara, a formosa sede do município onde se encontrava o ginásio mais próximo (só mais tarde foi criado o Ginásio de Laranjais).
Apesar de ser o anseio geral da juventude local, nem todos tiveram as mesmas oportunidades, nem todos tiveram a mesma sorte de, um dia, pegar o trem, passar por Laranjais e por Batatal, e desembarcar orgulhoso na estação às margens do Paraíba como primeiranista daquela conceituada instituição de ensino.

No novo patamar de cultura, que era o Ginásio Itaocara, nada decepcionou, pois nessa idade, há um campo fértil dentro de cada pessoa, basta que o semeador saiba selecionar as sementes e tenha a’ sabedoria de bem plantá-las. Quem, dentre os que para lá foram, não cresceu intelectualmente ao ouvir os fulgurantes discursos do jovem advogado Alaôr Scisínio, ao beber os ensinamentos dos professores Nildo Nara, Gamaliel Pinheiro e Monsenhor Saraiva, entre outros, ou ao identificar os traços de uma sensibilidade poética como a do também jovem William Rimes, fluindo através do programa musical transmitido pelo sistema de alto-falantes da praça ao redor da qual funcionava o internato do ginásio?

Para os meninos do Engenho, amigos desde sempre, o período itaocarense proporcionava, ainda, a oportunidade de ampliar consideravelmente o seu círculo de amizade, enriquecendo a vida de cada um, como um bem que seria levado ao longo da existência, apesar do tempo, da distância e das raras oportunidades de reencontro. Em resumo, poderíamos dizer que, depois de Itaocara, o mundo se abria para todos os que tinham olhos para ver e coração para sentir a infinidade de caminhos que se põem diante do homem que busca a sua legítima realização pessoal.

Hoje, o cenário do Engenho Central é bem diferente do que se via no passado, em face dos anos que decorreram desde o encerramento das atividades da usina de açúcar. Não é difícil imaginar a tristeza que certamente dominou a quantos estavam presentes no último instante de vida da usina, a derradeira volta das engrenagens, a última porção de açúcar produzida. O relógio está lá marcando este momento: 07h54m. O cenário mudou, mas os traços de beleza permanecem em qualquer direção que se olha. O prédio da velha usina, oco e deserto no seu interior, não perdeu a imponência e ergue-se ainda hoje num silêncio expressivo, à espera, quem sabe, de que possa vir a abrigar novamente atividades dignas de sua história.

A grande chaminé continua firme, apontando para o céu, a indicar que as possibilidades são infinitas e a esperança não pode soçobrar sob o vendaval de dificuldades.
A comunidade do Engenho Central, nos dias atuais, é composta pelas famílias que lá ficaram após o fechamento da usina e até mesmo por outras que deixaram o lugar e depois de anos retomaram às suas origens, acolhidas generosa e justamente pelo Dr. Álvares Luís. Mas essa comunidade se desdobra também numa outra parcela de centenas de filhos do Engenho que se encontram dispersos por esse mundo afora e que jamais deixaram de sentir-se pertencentes à terra onde nasceram e cresceram, por mais distantes e difíceis que tenham sido os caminhos que percorreram e mais longa que tenha sido a ausência imposta pela vida.

A essa gente, a cada um de nós, morador atual ou não, caberia o compromisso pessoal.de tentar contribuir, o mínimo que seja, para que o Engenho Central busque o sentido da grandeza de outrora, não mais na atmosfera de uma usina de açúcar, é claro, mas em outros campos da atividade humana. Nesse contexto, insere-se em toda a plenitude, como condição essencial, a valorização da pessoa por si mesma e pela comunidade, a crença no potencial que cada um traz desde o berço, a vontade de crescer não só em espírito como em conhecimento, deixando de lado determinismos tradicionais e partindo para um esforço próprio de desenvolvimento.

Cada um que assim cresce arrasta outros e, no final, desenvolve toda a comunidade. O ontem deve ser cultuado e lembrado com respeito, mas o importante é o que se faz hoje, pois isto dirá o que será o amanhã. O presente é o prólogo, disse alguém alhures. Preparar-se bem para o futuro será sempre o grande desafio. Certamente que nas noites calmas e estreladas do imenso céu do Engenho, de vez em quando algum jovem olha extasiado para cima e pergunta às estrelas, cheio de dúvidas, se um dia poderá vir a ser o que sonha ser. Mas a resposta está dentro de cada um, na mesma medida da crença que possui e do esforço que está disposto a empreender em busca do seu lugar ao sol.

No portal da velha usina havia uma placa cujos dizeres eram mais ou menos estes:
” Aquele que ama o seu trabalho e que somente ao trabalho pede melhor sorte para si e para os seus é, por isso mesmo, digno do apoio e do respeito dos seus semelhantes “.
Tal mensagem orientou durante décadas a conduta dos que trabalhavam no Engenho e se aplica ainda hoje em toda parte, talvez agora mais do que nunca, quando chegamos aos umbrais do ano 2000 e começamos a avistar na moldura do horizonte o amanhecer do próximo milênio.

Lançamos, assim, um olhar ao futuro movidos pela esperança de que a superação, necessária e urgente, dos grandes problemas que afligem a sociedade, como um todo, seja, enfim, alcançada e tenha reflexos positivos sobre o progresso do nosso município e o bem-estar de seus habitantes, resultando no soerguimento do Engenho Central, cuja grandeza nada mais foi do que a conseqüência natural do trabalho dedicado de sua gente e do espírito fraterno que embalava a comunidade.

Fonte: Livro Nilza Viegas