José Leonisse Peçanha de Cusatis

José Leonisse Peçanha de Cusatis

“VER – OUVIR – VIVER – CONTAR” é o título do livro em o qual o professor José De Cusatis relata, com autenticidade e humor, as emoções e coisas da sua infância vivida na pitoresca cidade fluminense – Itaocara. Vida simples, sadia e amena que, em seu desenrolar, vai construindo personalidades igualmente sadias e simples, em que cada cena, cada pessoa, cada emoção contribui para a formação da paisagem cultural e humana que, com ligeiras diferenças, se repete em quase todas as pequenas comunidades de uma mesma região.
E são essas cenas, são essas ocorrências – umas ingênuas e até mesmo pueris, outras pitorescas, outras tristes; são as personagens aqui evocadas; são os mestres que lá viveram; são os artistas primitivos, espontâneos, frutos mais de uma vocação artística do que um ensino sistemático de artes. São, em suma, todos quantos que, sem se darem conta dos papéis sociais que viveram ou da importância dos fatos que presenciaram, foram, ao longo da vida, imprimindo as marcas de suas personalidades nas crianças que tiveram a ventura de nascer ou de crescer em cidades pequenas e lindas tal como Itaocara. E por terem crescido entre as coisas e valores simples e bons da vida tornaram-se, igualmente, na sua expressiva e gratificante maioria, personalidades simples, autênticas, livres dos grandes conflitos e da exagerada agressividade das cidades grandes.
São conflitos e agressividade do indivíduo, primeiro com ele próprio e, depois, com os outros, provocados pelos atropelos e tumultos de uma transformação social rápida e desordenada causa evidente do desconforto social do mundo atual.
A juventude formada de crianças que viveram em ambiente tranqüilo e amável é hoje, como foi ontem e como será, certamente, amanhã, um refrigério para a vida atordoada, agressiva e desumana. É a juventude da convivência agradável e respeitosa, e a juventude que estuda e trabalha; é a juventude que desfruta de um lazer saudável.
Disse Huxley – algo desencantado – que o progresso tudo leva de roldão e acaba, impiedosamente, com muita coisa amável e boa da vida… E conclui: mas o progresso está aí, batendo à nossa porta e nada mais podemos fazer senão abri-la, esforçando-nos para salvar as tradições que nos são caras e alguns dos valores que ainda prezamos.
É que esse progresso, em sua marcha acelerada e imprevisível, tanto na direção quanto nos acontecimentos que gera, opera como um rolo compressor que tudo destrói e segue em frente sem atentar para os valores ainda está¬veis e atuantes de uma vida amena e digna.
E são os fatos, os valores as pessoas de Itaocara, de seu tempo de menino, que o Professor José De Cusatis, por efeito da sua prodigiosa memória, nos traz de volta, ante nossos olhos ávidos de interesse e curiosidade.
Sempre me preocupou, como educadora, o fato de que uma criança que viveu ou vive no interior, possa lembrar, com nitidez e detalhes, ainda que decorridos muitos anos quando já na maturidade e até mesmo na velhice, cenas presenciadas e emoções sentidas na sua mais remota meninice. Em contraposição, crianças que vivem no tumulto “civilizatório” dos grandes centros urbanos não conseguem reproduzir, com coerência aceitável, o que viram acontecer numa pequena fração de tempo – um ano, um mês ou uma semana.
Só a violência e a agressividade, pela força com que atuam, destruindo regras de bem-viver e de bem conviver conseguem impressioná-las. Não estarão aqui talvez as raízes mais profundas dos desajustamentos sociais tão freqüentes nesses dias angustiados do presente?
O livro do Professor De Cusatis é, como disse anteriormente, esse refrigério que nos faz voltar no tempo para reviver emoções e lembranças que encantaram nossas vidas de crianças do interior. É a um tempo autobiográfico e de crônicas. De quando em quando, uma passagem histó¬rica para evidenciar as dificuldades, as lutas, o heroísmo dos que construíram com mão-de-obra indígena ou escrava, a Aldeia da Pedra, à margem do Paraíba.
Esta cidade foi também o cenário dos verdes anos da minha pré-adolescência. Nela passava as minhas férias escolares em casa de Tio Cândido e Tia Dília, esta irmã de minha mãe.
Assim, testemunhei muitos dos fatos aqui relatados; conheci quase todas as pessoas aqui relembradas ora em seus hábitos simples, ora em sua ingenuidade, ora ainda na esperteza tão peculiar ao nosso roceiro. Assisti às competições das suas Bandas de Música e às serenatas pela linha do trem, seguindo o curso do Paraíba, nas noites enluaradas. Presenciei, também, os batuques e as danças folclóricas de grupos de negros.
Tudo isso está registrado no livro desse itaocarense por opção que é o professor De Cusatis.
Creio que a leitura do livro em apreço não interessará, apenas, aos itaocarenses, mas, por igual, a todos quantos tenham nascido, passado sua infância ou vivido numa pequena cidade do interior. Pela simplicidade do estilo, pelo pitoresco e graça dos fatos reunidos encontrará a sua leitura grande receptividade.
Os únicos atavios que prendem, sem cansar, a nossa atenção na leitura de qualquer gênero literário são, sem dúvida, a espontaneidade e a simplicidade; o colorido e a vivacidade, a par de uma desejável disciplina do nosso idioma.
A riqueza desmedida de erudição, além da complexidade que geralmente traz à narração, cansa os leitores e esses, por instinto de autodefesa, interrompem a leitura.
E os leitores de “VER, OUVIR, VIVER, CONTAR” chegarão ao fim do livro.

Juracy Silveira

ITAOCARA

Contemplai este quadro divino
Em que Deus se esmerou como artista
Enfeitando ITAOCARA e num hino,
Deu-lhe vida e o poder da conquista.
Reparai o alcantil que se eleva
Tão risonho e tão cheio de flores
Onde Flora imitando a Mãe Eva
Distribui entre rosas, amores.

E no céu vai a lua silente
Entre estrelas, mui linda a vagar
Se espelhando a sorrir no dolente
Paraíba que rola a chorar.
E mais longe, bem presa na terra
Marginando a serpente de prata
Namorando ITAOCARA está a Serra
Verdoenga embrenhada na mata.

ITAOCARA não cabe no verso,
Esta terra tem tanta magia
É a mais linda de todo o Universo
E só Deus como artista a fazia.

IT AOCARA, DE DEUS A PREFERIDA

Por certo Deus há de voltar à terra
Para rever o seu labor augusto
E contemplar desde a planície à serra
Do mar profundo, ao alto céu venusto.
A luz, o sol, o dia. À noite, estrelas.
O passaredo, as matas, os pirilampos.
O deslizar do rio em curvas belas,
O sussurrar da brisa pelos campos.

Ao contemplar do etéreo a terra inteira
Vai procurar o céu que é mais anil.
Perscruta o espaço, o vale, a cordilheira,
E baixarão seus olhos ao Brasil.

E Deus escolhe enfim sua morada
E a flor, a mocidade embevecida,
Estende os braços, terna e enamorada,
E Itaocara, então é a preferida.

O SORRISO, A MULHER; ITAOCARA!

Tudo prende e seduz nesta terra
Tudo é festa e alegria taful
Tem um céu sempre lindo que encerra
Pirilâmpeo em estrelas êxul.
Arvoredo na sombra macia
Rumoreja nos beijos da brisa
Que de manso perpasse cicia
Beija as flores, de leve, e desliza.

Paraíba coleia ondulante
E suspira a corrente tão clara
Vendo a Serra gentil verdejante
Separada, chorando Itaocara!
Quando a lua, no céu, na amplidão
Manda à terra seus beijos de luz
Itaocara, a sonhar, na oração
Murmuria uma prece a Jesus

Mas desperta c’os beijos do sol
Na alvorada de bela manhã
Volta à vida no doce arrebol
Mais ardente, mais fresca, louçã.
Há perene e gentil primavera.
Tudo é lindo, beleza mui rara.
Mas a tantos encantos supera,
O sorriso, a mulher; Itaocara!

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